Convidado para escrever para este site apresentando questões sobre religião, aceitei com alegria e gratidão. Sei dos meus limites e dos desafios da empreitada numa sociedade complexa e plural na qual estamos inseridos neste mundo pós-moderno. Entretanto, confiante no Espírito de Deus, me esforçarei para proporcionar aos leitores uma reflexão pertinente e relevante.
Certamente, que as religiões são vias de acesso ao Transcendente, caminhos para ajudar a entender o “sentido da vida”, especialmente neste mundo pós-pandemia com todas as suas vertentes de complexidade. Este sentido da vida levou Jacques Lacan em uma entrevista coletiva a afirmar que “no que concerne ao sentido, eles (os religiosos), conhecem um bocado. São capazes de dar um sentido realmente a qualquer coisa. Um sentido à vida humana, por exemplo. São formados nisso. Desde o começo tudo que é religião consiste em dar um sentido às coisas”. Portanto, o desafio das religiões é dar sentido à vida. Isto é conseguido somente quando as religiões sejam capazes de elevar a pessoa humana a Deus e é esta a primeira e fundamental função da religião, conectar o ser humano a Deus, ser uma ponte entre o humano e o Sagrado. Se ela consegue também dar sentido à vida é um acontecimento indireto pois a “questão Deus” é prioritária sobre a “questão sentido”. O sentido é fruto da fé religiosa, serve de critério para verificar até que ponto uma religião é viva, verdadeira e fecunda. Uma religião que falha na tarefa de comunicar sentido, acaba se limitando a ser uma mera instituição social, perdendo o interesse das pessoas e a relevância histórica. A conexão com a pessoa humana é mantida quando ela exerce a função de levar o ser humano a ter a esperança na sua “salvação”.
A religião está de “volta” e é um dos fenômenos mais marcantes e ao mesmo tempo surpreendente, apesar das críticas à religião, destacando mesmo a anunciada “morte de Deus”, do filósofo alemão Friedrich Nietzsche. A religião continua fascinando milhões de pessoas pelo mundo afora, não obstante ataques que sofre de várias direções. Certamente que a novidade desse fenômeno não é tanto que a religião volta ao âmbito pessoal e social, após presumidamente ter desaparecido. A sociedade pós-moderna experimentou significativo progresso econômico e social, mas um significativo depauperamento espiritual, talvez fruto de uma racionalidade exacerbada, especialmente das camadas mais intelectualizadas da sociedade. Hoje, muitos sentem-se sufocados no horizonte do mundo e desejam encontrar um sentido mais profundo para suas vidas e isto significa transcender, ir além desta realidade opaca e muitas vezes sem perspectivas. Mas transcender para onde?
O que seria este redescobrimento da religião? Esta “volta religiosa”, não seria o estabelecimento de um “fundamentalismo”: processo de afirmação identitária de tipo radical, conservador e exigente, nem criando uma nebulosa mística-esotérica: forma mais suave de religião, ao contrário da primeira. Trata-se, sim, das “grandes Religiões” buscando uma renovação para o essencial. O tipo mais “pesado” ou “suave” são posições diametralmente opostas enquanto a readequação das “grandes religiões” a uma renovação para o essencial e para o “sentido da vida” e uma readequação em suas formas históricas de expressão.
Em relação ao cristianismo, há de encontrar um jeito de abrir suas portas para a busca que o povo tem de um sentido para a vida que vá além desta realidade, muitas vezes marcadas pela desilusão da riqueza e do bem-estar e de uma sensação de segurança que não passa de uma “sensação”. Para além do anúncio de Jesus Cristo como caminho, verdade e vida, nós cristãos precisamos trilhar este caminho que é verdade e produz vida, para além desta. A verdadeira religião é aquela que mergulha o indivíduo no mundo da esperança e da alegria de viver para além desta realidade conflitante, sem, entretanto, aliená-lo do processo histórico e da realidade de cada dia, mas ajudando-o a enfrentar os desafios com fé e serenidade. Não é uma tarefa fácil, mas possível. Este será o caminho pelo qual nos enveredaremos nas próximas reflexões. Fique com Deus, fique em paz!