14/11/2024 às 15h26min - Atualizada em 14/11/2024 às 15h26min

Religião e sentido da vida

Pe Clésio Alves Vieira

Pe Clésio Alves Vieira

Pároco da Paróquia Nossa Senhora do Rosário em Quatis

Reprodução

Convidado para escrever para este site apresentando questões sobre religião, aceitei com alegria e gratidão. Sei dos meus limites e dos desafios da empreitada numa sociedade complexa e plural na qual estamos inseridos neste mundo pós-moderno. Entretanto, confiante no Espírito de Deus, me esforçarei para proporcionar aos leitores uma reflexão pertinente e relevante.

 

Certamente, que as religiões são vias de acesso ao Transcendente, caminhos para ajudar a entender o “sentido da vida”, especialmente neste mundo pós-pandemia com todas as suas vertentes de complexidade. Este sentido da vida levou Jacques Lacan em uma entrevista coletiva a afirmar que “no que concerne ao sentido, eles (os religiosos), conhecem um bocado. São capazes de dar um sentido realmente a qualquer coisa. Um sentido à vida humana, por exemplo. São formados nisso. Desde o começo tudo que é religião consiste em dar um sentido às coisas”. Portanto, o desafio das religiões é dar sentido à vida. Isto é conseguido somente quando as religiões sejam capazes de elevar a pessoa humana a Deus e é esta a primeira e fundamental função da religião, conectar o ser humano a Deus, ser uma ponte entre o humano e o Sagrado. Se ela consegue também dar sentido à vida é um acontecimento indireto pois a “questão Deus” é prioritária sobre a “questão sentido”. O sentido é fruto da fé religiosa, serve de critério para verificar até que ponto uma religião é viva, verdadeira e fecunda. Uma religião que falha na tarefa de comunicar sentido, acaba se limitando a ser uma mera instituição social, perdendo o interesse das pessoas e a relevância histórica. A conexão com a pessoa humana é mantida quando ela exerce a função de levar o ser humano a ter a esperança na sua “salvação”.

 

A religião está de “volta” e é um dos fenômenos mais marcantes e ao mesmo tempo surpreendente, apesar das críticas à religião, destacando mesmo a anunciada “morte de Deus”, do filósofo alemão Friedrich Nietzsche. A religião continua fascinando milhões de pessoas pelo mundo afora, não obstante ataques que sofre de várias direções. Certamente que a novidade desse fenômeno não é tanto que a religião volta ao âmbito pessoal e social, após presumidamente ter desaparecido. A sociedade pós-moderna experimentou significativo progresso econômico e social, mas um significativo depauperamento espiritual, talvez fruto de uma racionalidade exacerbada, especialmente das camadas mais intelectualizadas da sociedade. Hoje, muitos sentem-se sufocados no horizonte do mundo e desejam encontrar um sentido mais profundo para suas vidas e isto significa transcender, ir além desta realidade opaca e muitas vezes sem perspectivas.  Mas transcender para onde? 

 

O que seria este redescobrimento da religião? Esta “volta religiosa”, não seria o estabelecimento de um “fundamentalismo”: processo de afirmação identitária de tipo radical, conservador e exigente, nem criando uma nebulosa mística-esotérica: forma mais suave de religião, ao contrário da primeira. Trata-se, sim, das “grandes Religiões” buscando uma renovação para o essencial. O tipo mais “pesado” ou “suave” são posições diametralmente opostas enquanto a readequação das “grandes religiões” a uma renovação para o essencial e para o “sentido da vida” e uma readequação em suas formas históricas de expressão.

 

Em relação ao cristianismo, há de encontrar um jeito de abrir suas portas para a busca que o povo tem de um sentido para a vida que vá além desta realidade, muitas vezes marcadas pela desilusão da riqueza e do bem-estar e de uma sensação de segurança que não passa de uma “sensação”. Para além do anúncio de Jesus Cristo como caminho, verdade e vida, nós cristãos precisamos trilhar este caminho que é verdade e produz vida, para além desta. A verdadeira religião é aquela que mergulha o indivíduo no mundo da esperança e da alegria de viver para além desta realidade conflitante, sem, entretanto, aliená-lo do processo histórico e da realidade de cada dia, mas ajudando-o a enfrentar os desafios com fé e serenidade. Não é uma tarefa fácil, mas possível. Este será o caminho pelo qual nos enveredaremos nas próximas reflexões. Fique com Deus, fique em paz!

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