07/04/2025 às 17h50min - Atualizada em 07/04/2025 às 17h50min

Quaresma é tempo de mudança

Pe Clésio Alves Vieira

Pe Clésio Alves Vieira

Pároco da Paróquia Nossa Senhora do Rosário em Quatis

Reprodução

Quando eu era criança, não gostava do tempo da quaresma. Tinha medo de lobisomem, de mula-sem-cabeça e principalmente porque não podia comer carnes e nem doces. Depois vinha a Semana Santa, e me lembro da imagem de um Jesus sofredor, que apanhou, foi humilhado, carregou uma pesada cruz e ainda diziam que era nossa culpa. Como? O que eu fizera para produzir tanto mal a uma pessoa tão santa? 

 

Minha mãe não varria a casa e até o cabelonão se penteava. A sexta-feira santa, era um diaespecial: os proprietários de gado doavam toda a produção do leite para o povo fazer doces, arroz-doce, rabanada, canjica doce e às vezes a gente comia até bacalhau, prato chique e caro para a época. Parecia que a sexta-feira era o dia mais importante da semana Santa: ninguém trabalhava, não buzinava carros, não se falava alto e era temerário xingar. Tinha gente que colocava até luto. 

 

Na parte da tarde, se celebrava a morte de Jesus e a procissão com a imagem do “Senhor morto” reunia uma grande multidão. A cidade parava: comércio e casas eram fechados, nenhum movimento pelas ruas, quase todo mundo estava na Igreja e os que ficavam em casa iam para a janela se emocionar com a procissão. O sofrimento e a morte injusta deJesus tocava as pessoas porque muitos se identificavam com Ele. 

 

O sábado era um dia especial para a garotada e alguns adultos com a “malhação do Judas” que era na verdade uma maneira de distribuir críticas a pessoas e ações não aprovadas pelos moradores. Mas, de certa maneira, a semana Santa acabava aí, pois o Domingo da Ressurreição do Senhor não era solenizado, talvez porque o povo entendia mais de sofrimento e morte do que de superação e vida. 

 

Muita coisa mudou. Vivemos um tempo em que parte da população simplesmente ignora o tempo quaresmal e a semana Santa. O cardápio de alternativas da semana vai desde um tempo de descanso na praia ou no campo até uma vivência dasemana como outra qualquer. O comércio funciona normalmente e não é difícil encontrar alguém promovendo um animado churrasco em plena sexta-feira Santa. E infelizmente, parte significativa dos que participam da procissão do “senhor morto” ainda não celebra o Domingo da Ressurreição de Jesus, o domingo da vida, da Páscoa, da vitória sobre o sofrimento, a dor, a morte e ao poder dos que tramaram a morte de Jesus.

 

Depois de muitos anos, aprendi que Jesus foi rejeitado, condenado, torturado e morto porque as autoridades religiosas e políticas daquela época não aceitaram sua proposta de amor, solidariedade, fraternidade e mudança no tipo de religião comercial e legalista que viviam. E além disso, conseguiram colocar o povo contra Jesus. Fico me perguntando se Jesus não continua sendo rejeitado hoje...

 

Às vezes tenho vontade de voltar aos meus tempos de criança pois, apesar de toda superficialidade na vivência da fé, a gente vivia em um tempo de simplicidade, amor, respeito e fraternidade. O mundo mudou muito e tenho minhas dúvidas se para melhor. A novidade do Evangelho anunciado por Jesus continua sendo a porta de entrada para um novo mundo e um novo ser humano. 

 

Precisamos reinventar a quaresma e a semana Santa no sentido de um tempo propício para uma profunda mudançano comportamento humano, pois, o planeta pede socorro e nossa sobrevivência está ameaçada. 

 

O Evangelho e a realidade apelam ao nosso coração para a necessidade de novas práticas de respeito à natureza (Campanha da Fraternidade 2025) e ao ser humano através da prática de um Amor puro e desinteressado. O diálogo com as novas gerações e a criatividade pastoral poderá nos ajudar a tornar a mensagem quaresmal e a semana Santa um tempo propício para a construção de um novo mundo possível.

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