03/03/2025 às 10h39min - Atualizada em 03/03/2025 às 10h29min

Neymar, 'Ainda Estou Aqui' e o eterno debate ideológico

Rafael Moura

Rafael Moura

Apresentador do Programa Bom Dia Cidade, da Rádio Cidade do Aço FM 103,3

Rafael Moura
Fotomontagem apartir de fotos de divulgação (Santos FC/Globoplay)

 

A relação entre política e entretenimento no Brasil nunca foi simples. Desde a censura na Ditadura Militar até os cancelamentos contemporâneos nas redes sociais, a opinião pública frequentemente coloca artistas e atletas em um campo de batalha ideológico. Dois acontecimentos recentes ilustram bem essa dinâmica: o retorno de Neymar ao Santos e a premiação do filme Ainda Estou Aqui, de Walter Salles, no Oscar.

Neymar voltou aos gramados brasileiros e, para muitos, resgatou a magia de sua melhor fase. No entanto, sua carreira sempre foi acompanhada de polêmicas extracampo. Seu estilo de vida e suas escolhas políticas, notadamente sua proximidade com Jair Bolsonaro, afastaram parte da torcida e mancharam sua imagem, especialmente na seleção brasileira. Diferente de outros craques que, mesmo distantes da política, mantinham uma relação amigável com o público, Neymar acabou gerando antipatia de muitos torcedores que rejeitam sua postura, além da sua falta de compromisso em momentos decisivos.

Essa rejeição se reflete no estádio e nas redes sociais. Para muitos, o futebol deveria ser um refúgio das disputas políticas, mas a realidade mostra o contrário. A polarização do país atingiu um nível em que até a performance esportiva de um jogador pode ser vista sob um viés ideológico.

Enquanto Neymar divide opiniões no esporte, o cinema nacional conquistou no último domingo, 02, um feito inédito com a vitória de Ainda Estou Aqui no Oscar. O filme retrata o impacto da Ditadura Militar na família de Rubens Paiva, político cassado pelo AI-5 e desaparecido nos porões do regime. A premiação deveria ser motivo de orgulho, mas acabou gerando uma divisão previsível no público. Parte da sociedade viu o reconhecimento como uma reparação histórica, enquanto outra criticou o filme por supostamente "reviver feridas" e "militar politicamente".

Esse fenômeno não é novo. A memória da Ditadura ainda é um tema sensível e muitas vezes negado ou relativizado por grupos que tentam reescrever a história. O cinema, ao abordar esses episódios, naturalmente enfrenta resistência de setores que prefeririam que o passado fosse esquecido.

Política e Entretenimento: Um Casamento Indissolúvel

A história do Brasil nos mostra que figuras públicas nunca escaparam das consequências de suas escolhas políticas. Wilson Simonal, um dos maiores cantores do país, viu sua carreira desmoronar após ser acusado de colaborar com o regime militar. Regina Duarte, por sua vez, sofreu sucessivas rejeições ao longo das décadas por apoiar candidatos conservadores.

A Lei Rouanet também se tornou um campo de batalha ideológico. Artistas que acessam o mecanismo de incentivo à cultura são frequentemente atacados, mesmo que a legislação beneficie projetos de diferentes espectros políticos. O discurso de que a lei privilegia uma elite cultural se tornou uma ferramenta de ataque a nomes como Maria Bethânia, Daniela Mercury e Cláudia Raia, ainda que inúmeros artistas independentes também sejam beneficiados.

A ideia de que o esporte e a arte deveriam ser "neutros" é uma ilusão. O entretenimento reflete a sociedade, seus conflitos e suas contradições. Neymar e Ainda Estou Aqui são apenas os casos mais recentes de uma longa lista de episódios em que política e cultura se entrelaçam.

Seja no campo ou nas telas, a polarização continuará moldando a forma como consumimos o entretenimento. No Brasil, gostar de um jogador ou torcer por um filme nunca foi apenas uma questão de gosto — e, pelo visto, nunca será.

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