30/01/2025 às 16h09min - Atualizada em 30/01/2025 às 16h09min

Tiros, dor e a saúde de um país ferido

Dr. Fernando Nader

Dr. Fernando Nader

Fernando Nader é médico, que tem entre suas formações, geriatria e neurologia.

A vida tem sido interrompida cedo demais. Os tiros ecoam, os corpos caem, e a rotina da violência se mistura ao cotidiano como se fosse parte inevitável da paisagem urbana. Mas não deveria ser assim. Não podemos nos acostumar com isso.

 

A criminalidade no Brasil não é apenas um problema de segurança pública. É um problema de saúde pública. Porque cada bala disparada não atinge apenas um corpo – ela atravessa famílias, destrói laços, gera medo, trauma e luto. O impacto de um tiroteio não termina quando o som se dissipa. Ele reverbera nas ruas, nos hospitais, nos lares e nas vidas que nunca mais serão as mesmas.

 

Nos corredores dos hospitais, médicos e enfermeiros se desdobram para salvar quem chega ferido. Muitos conseguem. Mas há algo que nenhum atendimento consegue reparar: a ferida invisível da violência. O medo que paralisa, a dor de quem perde alguém que amava, a sensação de que a qualquer momento pode ser a sua vez.

 

E o que estamos fazendo? Seguimos, dia após dia, enxergando manchetes de chacinas, execuções, balas perdidas. Seguimos vivendo com a naturalidade absurda de quem já não se espanta. Mas não deveríamos.

 

Nenhum país pode ser saudável quando seus cidadãos vivem em guerra uns com os outros. Nenhuma cidade pode prosperar quando a violência dita as regras. E nenhuma sociedade pode ser digna quando o medo se torna parte da rotina.

 

A violência não tem vencedores. Ela é um ciclo que só deixa derrotados. De um lado, vidas perdidas pela criminalidade. De outro, vidas arruinadas pelo luto e pela dor. No meio, um sistema de saúde sobrecarregado, equipes médicas que enfrentam emergências diárias de guerra, e uma sociedade cada vez mais doente – física e emocionalmente.

 

A pergunta que fica é: até quando? Até quando vamos aceitar que a morte violenta de jovens, trabalhadores, pais e mães seja apenas mais um número nas estatísticas? Até quando vamos fingir que isso não nos afeta, que não é com a gente, que não nos diz respeito?

 

Viver em paz deveria ser um direito, não um privilégio. Mas a paz não acontece sozinha. Ela precisa ser cultivada, defendida, buscada com urgência. Ela começa no respeito, na justiça, na empatia. Começa quando decidimos que não queremos mais viver em um país onde a bala fala mais alto do que as palavras.

 

O Brasil precisa de mais que remédios para curar suas feridas. Precisa de dignidade, de oportunidades, de um novo pacto social que nos ensine a viver juntos sem medo. Porque a única guerra que deveríamos estar lutando é contra a indiferença.

 

Que este texto sirva como um lembrete: a violência não é normal. E nunca deveríamos nos acostumar a ela.

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